sexta-feira, 15 de março de 2013

Crônica: A Convidada

 

A CONVIDADA



Ela se sentia subjugada. Sim, era assim que ela se sentia, mas não sabia por quê. Olhando Alicia tão ruiva e alta a fez uma pessoa pior por dentro. O sol da tarde queimava as pálpebras que se fechavam como o seu punho. Estava sentada na calçada feita de pedras portuguesas, no solado da porta azul gigante, na Rua das Carambolas.  Seu vestido rendado se espalhava pelo chão, envolvendo suas carnes brancas e coxas duras.  A expressão marcava seu rosto num quase dizer “Perdi”. Alicia não notou sua presença em momento algum.

Doutro lado da rua estava Marlon, vestido de blazer e roupa social. Nas mãos um buquê e no rosto um tímido sorriso. Alicia apressou o passo e atravessou a pequena rua onde só passavam bicicletas, cães e crianças. O sol preenchia aquele momento da mais fina alegria a qual não contagiava somente a menina Pamela, ainda jogada no meio-fio, com olhos fixos na ruiva que atravessava o logradouro. Marlon já exibia um sorriso cheio de entusiasmo quando Alicia chegara do outro lado, onde ele estava. Eram felizes.

Pamela não poderia ter evitado aquilo. O casamento seria hoje à noite e os noivos estavam retumbantes e irritantes. A menina que sentava sobre o fustigante solo quente apertava os olhos para ver o amor de longe. O ruivo de Alicia soava como uma provocação com frieza e elegância. Marlon era aquele peixinho dourado que Pamela nunca tivera e talvez nunca mais terá. Ao menos que... Pamela queime os papeis da sua moral. Aqueles papeis que nunca tiveram uma real importância para ela, entretanto a impediam de cometer o avesso social.  E vendo que a vida era uma só e que esta era maior que a de todos os seres existentes neste universo, Pamela queimou, rasgou, cremou os papeis.

Pamela levantou-se, cambaleante, pisou no seu vestido de criança adulta e marchou com os pés pesados para o outro lado da rua, onde estava o casal feliz. Passou o cachorro vira-lata, a bicicleta veloz e a criança melequenta. Apertou o próprio coração contra a mão – não o contrário – e ergueu um vulcão que expelia coragem de sua cratera. O céu ficou repleto de cinzas em suspensão. O clima mudara. Pamela agora estava com uma armadura feita de titânio, encrustada de diamantes e ouro. Segurava um punhal de bronze na mão esquerda e um escudo de granito na direita. Um rio de lava escorria pelo meio da rua e abismos gigantes surgiram do chão que esfarelara ao redor do casal. Estando a menos de 2 metros de Alicia e Marlon, Pamela emitiu um brado de fúria, estremecendo o ar, tornando os planetas apenas pó e ouvindo um eco da voz de Deus saindo das nuvens negras das cinzas.

- Muitas felicidades pra vocês dois!

- Ah obrigada... Qual seu nome mesmo, querida? – Perguntou Alicia.

- Pamela, com um éle só. P-A-M-E-L-A.

- Lindo nome! – Disse Marlon.

- Que horas vai ser o casamento? – Indagou Pamela.

- 19h, Pamela. Você vai, não é?! – Intimou Alicia.

- Claro! Amo casamentos!

E assim se despediram. Pamela vencera. Seu punhal atravessara as duas carcaças ao mesmo tempo, atravessando os pulmões de ambos. O sangue jorrara por todo lugar e se misturara à lava tingindo o solo de escarlate. Pamela descera a rua com orgulho de uma guerreira invicta, segurando a cabeça de seus inimigos no lado convexo do escudo, como uma bandeja. Bramiu com todo o ar do mundo, de cabeça erguida para o céu, bem longe de onde derrotara seus oponentes:

- Eu não vou pra esse casamento de merda! QUE SE FODA!      




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