A CONVIDADA
Ela se sentia subjugada. Sim, era assim que ela se sentia,
mas não sabia por quê. Olhando Alicia tão ruiva e alta a fez uma pessoa pior
por dentro. O sol da tarde queimava as pálpebras que se fechavam como o seu
punho. Estava sentada na calçada feita de pedras portuguesas, no solado da
porta azul gigante, na Rua das Carambolas.
Seu vestido rendado se espalhava pelo chão, envolvendo suas carnes
brancas e coxas duras. A expressão
marcava seu rosto num quase dizer “Perdi”. Alicia não notou sua presença em momento
algum.
Pamela não poderia ter evitado aquilo. O casamento seria
hoje à noite e os noivos estavam retumbantes e irritantes. A menina que sentava
sobre o fustigante solo quente apertava os olhos para ver o amor de longe. O
ruivo de Alicia soava como uma provocação com frieza e elegância. Marlon era
aquele peixinho dourado que Pamela nunca tivera e talvez nunca mais terá. Ao
menos que... Pamela queime os papeis da sua moral. Aqueles papeis que nunca
tiveram uma real importância para ela, entretanto a impediam de cometer o
avesso social. E vendo que a vida era
uma só e que esta era maior que a de todos os seres existentes neste universo,
Pamela queimou, rasgou, cremou os papeis.
Pamela levantou-se, cambaleante, pisou no seu vestido de
criança adulta e marchou com os pés pesados para o outro lado da rua, onde
estava o casal feliz. Passou o cachorro vira-lata, a bicicleta veloz e a criança
melequenta. Apertou o próprio coração contra a mão – não o contrário – e ergueu
um vulcão que expelia coragem de sua cratera. O céu ficou repleto de cinzas em
suspensão. O clima mudara. Pamela agora estava com uma armadura feita de
titânio, encrustada de diamantes e ouro. Segurava um punhal de bronze na mão
esquerda e um escudo de granito na direita. Um rio de lava escorria pelo meio
da rua e abismos gigantes surgiram do chão que esfarelara ao redor do casal.
Estando a menos de 2 metros de Alicia e Marlon, Pamela emitiu um brado de
fúria, estremecendo o ar, tornando os planetas apenas pó e ouvindo um eco da
voz de Deus saindo das nuvens negras das cinzas.
- Muitas felicidades pra vocês dois!
- Ah obrigada... Qual seu nome mesmo, querida? – Perguntou Alicia.
- Pamela, com um éle só. P-A-M-E-L-A.
- Lindo nome! – Disse Marlon.
- Que horas vai ser o casamento? – Indagou Pamela.
- 19h, Pamela. Você vai, não é?! – Intimou Alicia.
- Claro! Amo casamentos!
E assim se despediram. Pamela vencera. Seu punhal
atravessara as duas carcaças ao mesmo tempo, atravessando os pulmões de ambos.
O sangue jorrara por todo lugar e se misturara à lava tingindo o solo de
escarlate. Pamela descera a rua com orgulho de uma guerreira invicta, segurando
a cabeça de seus inimigos no lado convexo do escudo, como uma bandeja. Bramiu
com todo o ar do mundo, de cabeça erguida para o céu, bem longe de onde
derrotara seus oponentes:
- Eu não vou pra esse casamento de merda! QUE SE FODA!